Físico, professor e escritor premiado, Marcelo Gleiser foi o primeiro latino-americano a receber o Prêmio Templeton, frequentemente chamado de “Nobel da espiritualidade”. Em agosto de 2025, ele passou cinco dias imerso no Ibiti Projeto, vivendo a rotina da comunidade, explorando a natureza e compartilhando reflexões profundas sobre ciência, espiritualidade e futuro da humanidade.
A entrevista a seguir foi concedida no seu último café da manhã no restaurante Yucca, antes de sair para um de seus rituais diários: correr pelas trilhas em meio à natureza.
Entre passeios e gravações para um documentário sobre sua trajetória — com cenas captadas no Ibiti pela equipe do cineasta João Jardim — Gleiser também realizou uma palestra aberta à comunidade, com duração de cerca de duas horas, na tenda da Comuniversidade, dentro do Ibiti Village, na Vila Mogol.

“A gente tem que realmente celebrar o privilégio de poder estar vivo num planeta como esse. Pelo que eu estudei do universo inteiro, nunca vai existir outro planeta como a Terra. Está na hora de um novo despertar para a humanidade: o despertar de uma coexistência com o planeta.”
Ibiti News – O que você viveu no Ibiti e o que mais te tocou nesse projeto?
Marcelo Gleiser – A palavra que me veio à cabeça é resplandecente. Existe aqui uma dança de luz, mato e água que impressiona. Consegui visitar alguns dos principais pontos e me encantei profundamente. O Isgoné, por exemplo, é um lugar onde me imagino passando uma semana escrevendo em reclusão total, algo que adoro e preciso. O Ibiti tem uma qualidade quase mágica de seduzir as pessoas a se reconectarem com a natureza, que é exatamente o que mais precisamos hoje. Também me tocou muito ver a alegria com que as pessoas trabalham aqui. Conversei com guias, colaboradores e com o músico residente, Lucas Soares, e vi felicidade genuína em fazer parte do projeto. É uma verdadeira co-criação de comunidade, e esse é o convite que o Ibiti faz.
E as Estátuas?
Eu já tinha visto fotos, mas nada se compara à experiência presencial. Quando cheguei por trás, senti fisicamente um aperto no coração, de emoção. A ideia da inclusão das várias fés é de uma beleza e fluidez impressionantes. O Ibiti é um lugar que abre um portal entre a mente e o coração. Aqui se vive uma espiritualidade que não está ligada a uma religião específica, mas a algo visceral, que vem de dentro e transcende rótulos. É a sensação de pertencimento a algo muito maior do que nós, mas do qual fazemos parte. Caminhar pelas florestas, trilhas e pelas Estátuas permite essa abertura espiritual para o mundo.
Que rituais você pratica no dia a dia?
Todos os dias pela manhã eu pratico yoga e faço exercícios de respiração algumas vezes por semana. Gosto muito de correr e caminhar em trilhas, especialmente nas montanhas. Para mim, isso é um ato de devoção à natureza. Se você acredita que a natureza é sua mãe e que faz parte dela, estar presente fisicamente e espiritualmente nesse movimento é uma forma de meditação dinâmica. Quando entro numa trilha, digo: “bem-vindo ao templo”. Por isso pratiquei corridas de 50, 80 quilômetros. É uma peregrinação da alma. O corpo se esgota depois de certo ponto, e o que permanece é a essência.
Você acredita em alma?
Eu já tentei muito, mas hoje prefiro acreditar na nossa capacidade de maravilhamento. Nós, seres humanos, temos algo precioso: a habilidade de sonhar com o amanhã e de nos maravilharmos com o mistério da existência. Se quiser chamar isso de alma, tudo bem. Para mim, essa emoção de estar vivo — não apenas para comer ou dormir, mas para sentir, refletir e existir com profundidade — é a coisa mais preciosa que existe.
Você tem fé em quê?
Tenho fé na humanidade. Acredito que vamos dar um jeito. Estamos atravessando um dos períodos mais difíceis da história por causa das lideranças globais, mas exatamente por isso acredito numa reviravolta. O pêndulo vai oscilar para o outro lado. A gente precisa renascer enquanto humanidade, porque, se continuar nessa trajetória, o futuro ficará muito difícil para as próximas gerações. O trabalho do Ibiti, assim como o de tantas outras iniciativas pelo mundo, ajuda a transformar essa realidade.
“Temos a incrível habilidade de sonhar com o amanhã e nos maravilhar com o mistério da existência.”
– Marcelo Gleiser