Ibiti regenera mais de 1.200 hectares de Mata Atlântica 

29 de dezembro de 2025

Durante séculos, a Mata Atlântica foi pressionada pela ocupação humana, pela pecuária e pelas monoculturas. No entorno de Ibitipoca não foi diferente: pastos substituíram a floresta e, com eles, vieram o isolamento dos fragmentos e a perda de biodiversidade. Mas onde muitos enxergavam degradação e abandono, o Ibiti Projeto decidiu apostar no tempo da natureza. E, com isso, promover uma silenciosa revolução. Quarenta anos depois, os resultados estão à vista de quem vive ali. Os habitantes da região reconhecem na paisagem revigorada os frutos desse trabalho. Essa percepção agora encontra respaldo nos números que estão no relatório técnico “Análise temporal para caracterização do uso do solo e da cobertura vegetal”, feito a partir de imagens do satélite Sentinel 2. 

O documento da Bioflore, empresa especializada em monitoramento ambiental, encomendado pelo Ibiti, revelou que mais de 1.200 hectares de novas florestas cresceram no território, o equivalente a quase o tamanho de todo o Parque Estadual de Ibitipoca (1.488 hectares). Esses números são efeitos de uma proposta inovadora de conservação, na visão de Heitor Filpi, CEO e cofundador da Bioflore. “Do ponto de vista da conservação, foi uma proposta super inovadora, porque eles foram comprando as fazendas do entorno, que já não davam muito lucro, e promoveram essa regeneração”, observa. “E aí começou esse processo de regeneração da vegetação, porque a pecuária foi saindo com as fazendas. E a fauna, como já se observa naquela região, também está de volta.” 

Regenerar é revolucionário

✔️ 96% do território total do Ibiti (5.906 hectares) estão em regeneração 

✔️ 62% deste total estão cobertos por florestas nativas

 ✔️ 21% são ocupados por candeal (formação florestal típica de campos de altitude, com árvores de baixa estatura, predominando a espécie candeia)

✔️ Apenas 15,2% são de pastagem, e menos de 1% é ocupado por benfeitorias, estradas e corpos d’água

✔️ 63% da vegetação possui mais de 38 anos, um indicativo de estabilidade ecológica e alto valor de conservação

✔️ 1.281 hectares (o equivalente a 85% da área do Parque Estadual de Ibitipoca) regenerados de forma contínua desde 1985, transformando áreas degradadas em corredores florestais interconectados.

✔️ Mais de 1.600 hectares de áreas nucleares (partes centrais dos fragmentos mais protegidas contra interferência humana)  em 40 anos

✔️ Índice de Conservação* subiu de 48 (1985) para 67 (2023)

* O Índice de Estado de Conservação (IEC) da Bioflore é calculado por sensoriamento remoto e geotecnologias. O mesmo estudo indica que, sem o Ibiti, a região teria hoje menor cobertura vegetal, menor conectividade e maior fragmentação. No entorno, enquanto a regeneração florestal foi de 5.322 ha, o desmatamento chegou a 3.738 hectares. Dentro do Ibiti, a regeneração superou amplamente as perdas.

Modelo de regeneração 

O relatório é produto de uma primeira parte do trabalho da Bioflore, que consistiu em “estimar e informar os impactos positivos gerados pelos esforços de conservação e preservação”. Uma investigação de campo virá em 2026, para complementar a pesquisa. 

Os resultados mostraram que fragmentos antes isolados se conectaram, áreas centrais se expandiram, e o chamado “efeito de borda” diminuiu. O que parecia inviável se tornou modelo de regeneração. “Foi uma surpresa muito positiva”, conta Bruno Nani, CMO da Bioflore. 

“A gente já sabia da importância da Mata Atlântica, mas ver o quanto o Ibiti conseguiu avançar nesse tempo é impressionante. Estamos falando de um hotspot mundial de biodiversidade, onde a regeneração natural foi abraçada como projeto de vida.” 

O relatório também destaca que a ausência do Ibiti Projeto, em um cenário hipotético, resultaria em uma drástica perda nas áreas de vegetação natural, fragmentação, conectividade e nas áreas nucleares, reforçando sua importância fundamental para a integridade ambiental da região.

O que é efeito de borda?

O efeito de borda é o conjunto de alterações físicas, químicas e biológicas que ocorrem na região de transição (ou “borda”) entre dois tipos diferentes de ecossistemas (como uma floresta e uma área de pastagem ou desmatada). Essa transição cria um ambiente com características intermediárias ou completamente novas, que podem ser prejudiciais à qualidade do habitat florestal original. O relatório da Bioflore mostrou que, com o trabalho de conservação realizado há décadas pelo Ibiti Projeto, o efeito de borda diminuiu sensivelmente na região.

Ibiti Regenera

Para Clariane Maranho, bióloga do Ibiti, transformar a percepção dessa regeneração, compartilhada pelos habitantes mais antigos da serra, em dados mensuráveis foi um passo decisivo. “Quem vive aqui já enxergava a mudança a olhos vistos: a volta dos bichos, a mata crescendo onde antes era pasto. Mas precisávamos de números para dar credibilidade e transparência”, explica. 

Assim nasceu o Ibiti Regenera, iniciativa que busca neutralizar a pegada ambiental de hóspedes e colaboradores e, ao mesmo tempo, sustentar financeiramente os projetos de conservação. Neutralizar carbono aqui significa mais do que compensar emissões: significa restaurar ecossistemas, fortalecer comunidades e construir um novo modelo de convivência com a Terra. 

“Não é só sobre carbono”, enfatiza Clariane. “É sobre manter vivos nossos programas de reintrodução de fauna, recuperação de solos, combate a incêndios e gestão de resíduos. O Ibiti Regenera é a forma de dar continuidade a esse cuidado.” 

A paisagem ao redor do Ibiti ainda revela cicatrizes: áreas degradadas, erosão, fragmentos pequenos de mata. “Foi uma região marcada pela cafeicultura e depois pela pecuária, atividades que não tinham vocação para aquele solo”, explica Heitor Filpi. “Isso dificulta a regeneração natural e compromete o equilíbrio hídrico e ecológico.” 

É nesse cenário que o Ibiti se destaca como laboratório vivo. “O que vemos aqui é revolucionário, porque não se trata apenas de preservar o que restou, mas de restaurar”, completa Heitor. “E restaurar em larga escala, mostrando que é possível devolver a floresta a seu lugar de origem.”

Jardineira da floresta

Entre as histórias que ajudam a entender o impacto do relatório está a da paca, um animal discreto e noturno, que ao enterrar sementes garante que novas árvores brotem no futuro. É, em certa medida, uma metáfora para o próprio Ibiti Regenera. “Ela precisa de sombra contínua, não atravessa grandes clareiras. Por isso, quanto mais conectada à floresta, maiores são as chances de sobrevivência da espécie”, explica Clariane. Nos últimos 38 anos, a regeneração promovida pelo Ibiti criou novos caminhos para a paca. Fragmentos que antes eram barreiras se tornaram passagens. A cada fruto esquecido no solo úmido, uma árvore pode nascer. É um gesto pequeno, quase invisível, mas que simboliza o ciclo da reciprocidade: a floresta alimenta a paca, e a paca ajuda a floresta a renascer. 

“Hospital da Terra” 

A ideia de transformar o Ibiti em um “Hospital da Terra” é, em última instância, o que guia o projeto. Mais do que conservar, o propósito é oferecer um modelo inspirador, que possa ser adaptado a outras paisagens. “Cada lugar tem suas particularidades, mas o Ibiti pode compartilhar aprendizados e mostrar que é possível conciliar regeneração com geração de renda e bem-estar”, observa Heitor. 

Não é uma tarefa simples, e o desafio é tornar esse modelo escalável. Mas os primeiros frutos já são visíveis. “Os números são até melhores do que eu imaginava”, admite Clariane. “Se a gente pensava em séculos para ver mudanças significativas, o que encontramos em apenas quatro décadas nos dá fôlego e esperança.”

Próximos passos

Os próximos passos da Bioflore consistem num trabalho de campo que deve ser levado a cabo no primeiro semestre de 2026, considerada a etapa crucial que validará os dados obtidos via satélite. Heitor Filpi explicou que a equipe levará biólogos e engenheiros florestais para a região a fim de “coletar informações sobre composição florística, diversidade de espécies” e para avaliar in loco os estágios de sucessão ecológica. Essa validação é essencial para refinar os resultados já observados, destacou o pesquisador. 

Paralelamente, outra equipe utilizará um sistema de ponta: o Drone LiDAR (Light Detection and Ranging). Este drone é capaz de gerar uma visão tridimensional da floresta, o que permite mensurar o estoque de carbono, biomassa e volume da vegetação com precisão inédita. Além disso, a Bioflore investirá na criação de modelos de inteligência artificial. 

Conforme detalha Bruno Nani, esses modelos, treinados com imagens de ultra-alta resolução, serão capazes de “detectar espécies de árvore” e espacializar essa informação, o que, para o Ibiti, é essencial para um plano de manejo, incluindo o mapeamento das “matrizes para coleta de sementes” e o avanço nos programas de reflorestamento. 

Símbolo da resistência 

Mais do que um território recuperado, os números do primeiro relatório apresentado mostram que o Ibiti se consolida como símbolo de resistência e reinvenção. Cada hectare regenerado é um gesto de cuidado; cada animal que retorna, um sinal de equilíbrio restabelecido. E se a paca, jardineira silenciosa da floresta, encontrou novos caminhos para trilhar, é porque a regeneração já não é apenas sonho, mas uma realidade palpável e mensurável. Uma realidade que lembra que, diante de um planeta ferido, regenerar é, de fato, revolucionário.

Ações que ajudam a natureza a retomar seu espaço 

• Conheça algumas das importantes estratégias de rewilding adotadas pelo Ibiti para impulsionar o processo de restauração das florestas 

• Reintrodução de 30 jacutingas, aves nativas que estavam extintas localmente e que desempenham papel essencial como dispersoras de sementes 

• Projeto Muriqui House, pioneiro no Brasil, que atua na recuperação e reabilitação de indivíduos de muriqui-do-norte, espécie ameaçada de extinção. O projeto já registrou o nascimento de um filhote sob monitoramento em ambiente protegido 

Plantio sistemático de palmeiras juçara, espécie-chave para a fauna local, especialmente aves e primatas

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